Duna Parte 2: O Messias de Denis Villeneuve (crítica com spoilers)

Bruno Birth
5 min readMar 21, 2024

--

Paul Atreides (Timothée Chalamet) e Chani (Zendaya)

Ao terminar de assistir à obra cinematográfica de Denis Villeneuve, que precisou de duas partes para adaptar o épico de Frank Herbert, duas conclusões me saltaram à mente:
- Como é difícil adaptar Duna;
- Denis tem uma desenvoltura como pouquíssimos no cinema contemporâneo.
Minhas críticas positivas (e negativas) advém desses dois parâmetros que ditaram o trabalho homérico que deu vida a esses filmes.

Mesmo com dois filmes, ao contrário da adaptação única e super sintetizada de David Lynch, ainda faltou muita coisa a ser retratada. Com um material de base literária tão extenso e cheio de camadas narrativas, Denis tinha uma missão tão difícil quanto a de Peter Jackson no fim dos anos 1990, ou seja, a criação de uma linha fluida de enredo que pudesse trazer à tela (com a linguagem da arte cinematográfica) a história e aspectos de criação de mundo (primordiais para o universo desenvolvido) presentes no livro.
No fim das contas, em um filme como este, o balanço que se faz é: o que foi descartado do livro em matéria de adaptação fez falta?
É neste momento que a qualidade do cineasta a frente do projeto precisa aparecer de maneira contundente, para que o fã do livro não sinta falta do que não foi pra tela e o espectador de primeira viagem embarque na ideia do universo que foi apresentado durante a exibição.

O balanço, pra mim, é mais do que positivo, não só pelas dificuldades de interpretação cinematográfica do material base, como também pelo afinco da equipe de produção do Denis em arregaçar as mangas e fazer o dunaverso acontecer diante de nossos olhos.
Arrakis ganha mais características em uma fotografia que o tempo todo não mede esforços na busca por mergulhar no ecossistema daquele estranho mundo arenoso. O planeta Giedi Primo, que havia aparecido bem pouco em Duna Parte 1, surge com muito mais detalhes aqui, como importante ferramenta na construção da persona de Feyd-Rautha; é a criação de mundo a serviço do desenvolvimento de personagens do modo mais inteligível possível.
Sietch Tabr (que aparece em menor escala do que eu esperava) também serve a seu propósito no filme, dentro do tempo que Denis dispunha para construir o contexto da ligação dos fremen com o meio-ambiente de Arrakis, principalmente com a água. Falando em sets de menor escala, o lar do imperador Padixá Shaddam IV e Irulan também se resumiu a uma singela fotografia internalizada, sem grandes takes abertos; uma possível economia forçada no orçamento, haja visto o quanto os vermes da areia devem ter consumido, assim como Giedi Primo.
Em se tratando de Shai-hulud, a perfeição se apresenta. Quando eu li Duna, um dos meus maiores questionamentos era: se isso virasse filme, seria absurdamente difícil adaptar as cenas de montarenadores (os fremen que montam os vermes). Ao assistir o filme, não tive outra reação que não fosse a estupefação. Não há outra palavra.

Sobre o que faltou, Villeneuve correu com muita coisa nesse filme. A Guilda Espacial (órgão responsável pela logística do Imperium) e a CHOAM (órgão responsável pela infraestrutura do Imperium) se tornaram simplesmente “Império”, algo que vimos já no primeiro filme:

“Para o Imperium, a especiaria é usada pelos pilotos da Guilda Espacial para poderem encontrar caminhos seguros entre as estrelas. Sem a especiaria, a viagem interestelar é impossível, tornando-a, de longe, a substância mais valiosa em todo o universo.”

Não vou nem falar do Landsraad, pois este tá no fundo da piscina do meme do esquecimento.

Em que acarreta essa descrição mais simplificada da organização imperial? Além do espectador não entender direito o que é a Guilda Espacial, fica um pouco rasa a compreensão da verdadeira importância da especiaria, que está muito, mas muito além de ser apenas uma espécie de petróleo galático.
Além disso, quando o funcionamento das ordens sociais do dunaverso se apresentam de modo simples, aspectos como a presença de contrabandistas em Arrakis, por exemplo, parecem, de certa forma, jogados na tela, sem o desenvolvimento prévio. O mesmo acontece com o arsenal de atômicos da família Atreides, algo que se o espectador não é um leitor conhecedor do Conselho do Landsraad, também pode considerar um pouco gratuito.
O tempo é outra característica importante de mudança no embate “livro VS filme”. Três anos se passam entre o ataque Harkonnen à Arrakina e o retorno vingativo de Paul Atreides, inclusive com a pequena Alia (de dois anos de idade) desempenhando ação importante ao fim do livro. Denis suprimiu essa passagem de tempo, omitindo a presença da criança Alia no enredo, assim como também apagou Leto II, o primeiro filho de Paul e Chani, que é assassinado no ataque dos Harkonnen a Sietch Tabr, libertando a ferocidade derradeira de Paul Atreides em direção à sua vingança mortal.
Essas mudanças eu não achei danosa ao andamento da trama do filme, pois Alia tem forte presença (de uma outra forma) e Leto II mal aparece no livro, então não fez falta.
Citei Chani? Então vamos a ela. Talvez essa seja a mudança que mais divide os fãs mais puristas do livro, Pois a Chani de Zendaya, empoderada e super resistente à ascensão de Paul Atreides como Lisan Al-gaib, tem personalidade completamente oposta a da Chani de Frank Herbert, totalmente complacente e apoiadora de seu grande amor.
Eu, sinceramente, prefiro a Chani de Zendaya, pois é uma personagem com mais camadas, mais interessante. Eu quase chorei no fim do filme, pois consegui ver nos olhos dela a profusão de sentimentos entre amar Paul e odiar sua nova posição, amar o povo fremen e odiar a guerra santa que estavam prestes a declarar. É maravilhoso o que Denis conseguiu fazer com essa personagem.

Depois de apontar tanta coisa que faltou, até parece que eu não gostei do filme, né? Mas eu adorei.
Denis Villeneuve conseguiu compensar o que faltou com um trabalho primoroso ao adaptar o material mais direto do livro, ou seja, a tomada do poder por uma pessoa que vai se tornar um déspota pior do que os próprios Harkonnen. Para isso, ele teve o absurdo auxílio da atuação de Timothée Chalamet, que conseguiu entregar em todas as cenas as diferentes facetas de Paul: a ferocidade recôndita e vingativa, a consciência depressiva diante dos oceanos de sangue que suas ações irão causar, a postura régia de um bem-nascido, o desespero controlado e descrito na necessidade de se provar em um mundo estranho e hostil. Impressiona como está tudo ali na interpretação contemplativa do ator e que contrasta com a visceral presença da lady Jessica de Rebecca Ferguson, outra grande capitã de Villeneuve nesta árdua tarefa de adaptar Duna.

Os dois filmes são incríveis. Vi repetidas vezes no cinema (e tô pensando em ir de novo) e espero que finalmente a magnífica Saga Duna tenha a devida atenção que sempre mereceu.

Está lendo o livro? Acompanhe as análises que fiz de cada capítulo de Duna neste compilado de artigos (clique AQUI).
Quer ler a minha crítica do filme Duna Parte 1? (clique AQUI).
Me siga nas redes sociais (clique AQUI).

--

--

Bruno Birth

Aqui, em geral, você lê sobre fantasia e ficção científica.